segunda-feira, 17 de agosto de 2009

A propósito do spot “peixe com legumes?!?!”

Por: Américo Matavele

SR. DIRECTOR!


Agradeço a publicação desta humilde carta na página do vosso prestigiado jornal dedicado aos leitores. Muito se tem dito sobre o spot publicitário da televisão com o famoso nome de “Peixe com Legumes”. Gente houve que insinuou várias interpretações sem nexo, somente para impor a sua percepção ao resto das pessoas. Falo de pessoas com páginas exclusivas nos jornais, que leram a mensagem de uma forma isenta.

Maputo, Segunda-Feira, 17 de Agosto de 2009:: Notícias

Já ouvi gente insinuar (sim, insinuar), que o referido reclame não passava de outra coisa que uma pré-propaganda de um certo partido político, de modo a tirar dividendos primários rumo às eleições que se avizinham. Isso, até me fez rir.


Quando a Comissão Nacional de Eleições (CNE), lançou aquele spot publicitário tinha, segundo o meu ponto de vista, a única e exclusiva intenção de mostrar a importância da participação popular e consciente nas referidas eleições, já que as abstenções não são, e nunca foram uma coisa que se recomende numa democracia, seja ela qual for.

O facto de se meter a questão de refeição (refiro-me ao cenário), acho que foi a melhor maneira que os pensadores da CNE encontraram para que a mensagem fosse abrangente. Não houve, segundo o meu humilde ponto de vista, qualquer intenção de forçar todo o mundo a almoçar ou jantar “peixe com legumes”.

O cerne do spot para uma pessoa de bom senso e que não sofre de “partidite negativa”, é de demonstrar que se se hesita no dia da escolha (eleição), então, não há maneira, alguém vai escolher “peixe com legumes” para si. Isto é, se não escolher um candidato que tem em mente, ou se demorar, como aquele indivíduo que aparece no spot publicitário da televisão, ainda a querer dizer o que já devia ter dito, alguém vai lhe impingir um candidato que nem passava pela sua cabeça, e dirá, como aquele homem do spot, com toda a sua admiração: “PEIXE?!?!?” E quem votou dirá, como a senhora do spot: “com leguuumes...” E a si só restará aquele: “Sim, é isso que escolhemos... Ih, ih, ih...” irónico.

O cerne da mensagem é esse. Participe na escolha do que queres, porque se demoras, alguém vai escolher por ti. Aliás, no fim acho que se diz isso mesmo, e não sei onde se arranjou analogias até se chegar aos partidos políticos. Acho que alguns irmãos, ao analisar uma mensagem, antes de encontrarem uma certa semelhança com aquele partido político, negam todo o óbvio que a própria mensagem refere.

Quanto à questão de um certo fundo que aparecia (não sei, sinceramente, porque a CNE o mudou), não tenho palavras para descrever o que me ocorreu quando se comparou com a bandeira ou o símbolo de um certo partido.

Imaginem se todo o vermelho que está espalhado por aí fosse condenado? Se mudássemos tudo o que é vermelho pelo preto “consensual”, o que seria da rotina?

O que me intriga em tudo isto, e me fez escrever esta singela carta, é o facto de os mesmos irmãos que viram no fundo vermelho a imagem de um certo partido terem a coragem de parar num sinal vermelho. Será que não lhes lembra nada? E já agora, por que não banimos o equipamento do Matchedje? E por que não pedimos para se repintar todo o carro vermelho que pulula pela cidade? E os sinais de trânsito? E o pôr-do-sol, porquê ainda existe? E a Cruz Vermelha? E os montinhos de tomate no “dumba-nengue”?

Convenhamos...

Acho que se houvesse tourada, todo o toureiro teria que arranjar um outro pano, de uma outra cor para se exibir, com o risco (grande risco) de favorecer um certo partido político. E não só. Teríamos que consciencializar os próprios touros que, por razões de paridade de oportunidades, não mais podiam se enraivecer com um pano vermelho, mas sim pelo preto ou amarelo. Teríamos ainda que formar turmas especiais de dez a quinze touros, com professor altamente treinado, para, em aulas intensivas, poder erradicar o vermelho da cabeça (ou dos chifres) dos teimosos touros.

Ai, irmãos. Se queremos uma sociedade igualitária, não podemos inventar vantagens ou desvantagens com base numa neutralidade. Temos que ter a coragem de aceitar que num mundo limitado como este, teremos muitas repetições, coincidências e encontros fora da nossa vontade. Não podemos pensar em vão. Vamos pensar criticamente.

Pensar criticamente, não é negar a reflexão, querer ver vencidos e vencedores, mas é espremer o cerne do fim. Chegar ao fim óbvio antes de remeter a reflexão a uma crítica predeterminada e dirigida. Sei que não é fácil, mas tentar não é mau.

Um dos meus professores dizia que não há espaço para isenção científica numa pesquisa ou investigação, porque todos nós carregamos experiências que já podemos apelidar de genéticas, no nosso pensamento. Ele dava o seu exemplo, dizendo que não consegue se apartar da sua experiência militar, porque isso era ele, já estava gravado em si, porém, isso só serve de ponto de partida, depois de chegar ao ponto óbvio, ao ponto essencial da própria investigação ou pesquisa, já que esta por si é isenta das nossas influências.

As experiências, boas ou más, não têm, em si, capacidade para influenciar a pesquisa, se nós não lhes dermos um espaço forçado e voluntário, com um final premeditado, que nós mesmos desenhamos à primeira vista.

Pensar criticamente é entender o todo primário, e a partir deste construir uma verdade universal baseada na concórdia e no bem comum. Sei que a apreensão da mensagem é relativa, mas esta relatividade não pode ser tão negativa até se começar a odiar. Temos que ter a coragem de isenção, a coragem de estar na terra de ninguém, a coragem de nos referirmos ao primário antes de entrarmos em opiniões próprias. Quem concebe a mensagem tem o seu mérito, irmãos. A própria mensagem tem um significado primário, irmãos.

“Peixe com legumes” continua a ser uma mensagem clara, com ou sem o fundo vermelho, porque o que a CNE quer não é veicular a mensagem de alguém, mas sim demonstrar a sua vontade sobre o alcance que pretende que estas eleições tenham na consciência de cada moçambicano.

Deixemos de ser os touros que aqui mencionei, porque isso, além de distorcer a realidade nua e crua (a existência do vermelho), faz a gente perder tempo e recursos para erradicar o vermelho, como se este vermelho precisasse de ajuda para se expandir. A cor vermelha é natural e ninguém será capaz de erradicá-la. Olhe ao seu redor e conte o vermelho que vê, e depois diga-me se valeu a pena a sua insinuação de que o vermelho do “peixe com legumes” favorece um certo partido.

A propósito, já reparou nos brincos daquela mulher que impinge peixe com legumes ao “matreco”?

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