A boa estrela que guia a Frelimo
Alves Gomes/Maputo
No meio de muitas críticas e dúvidas sobre a metodologia, organização e forma como irão decorrer as próximas eleições em Moçambique, há uma cada vez maior certeza sobre quem virão a ser os vencedores das presidenciais, parlamentares e provinciais - Armando Guebuza e a Frelimo.
A segunda questão que também se vinha colocando, depois de a Frelimo ter vencido de forma clara as eleições autarquicas do ano passado, era se este partido não estaria a caminho de alcançar os dois terços de maioria na Assembleia da República. À medida que se aproxima o próximo dia 28 de Outubro, data marcada para os pleitos eleitorais, esta é também uma dúvida que se vem dissipando.
As razões que vão alimentando estas certezas poderiam ser muitas, mas elas resumem-se a apenas um denominador comum: a crescente debilidade da oposição moçambicana.
Ao longo dos últimos cinco anos não faltaram à oposição munições para se apresentar junto ao eleitorado como alternativa à Frelimo e ao seu governo. Mas à oposição e em particular à Renamo de Afonso Dhlakama, falta imaginação, coesão, e inteligência. Mais grave, chega ao final destes últimos cinco anos despida de argumentos eleitorais, restando-lhe somente a decrescente popularidade do seu líder.
Renamo em plano inclinado - O estilo de governação partidária imposta dentro da Renamo pelo seu líder, só a tem vindo a enfraquecer de ano para ano. Em todos os momentos políticos em que Dhlakama poderia ter aproveitado para reforçar e fortalecer as bases de apoio do seu partido, ele tem sempre escolhido as piores alternativas.
O exemplo mais flagrante desse comportamento, é o surgimento do MDM-Movimento Democrático de Moçambique, de Daviz Simango. Este novo partido é o resultado directo dos maus julgamentos políticos de Dhlakama e, por que não afirmá-lo, do medo que tem em enfrentar oposição e ideias inovadoras de gestão dentro do seu partido. Foi isso que o levou a expulsar Daviz Simango da Renamo.
O resultado foi a Renamo perder a sua principal base de apoio popular na província de Sofala, onde na sua capital, a Beira, o Concelho Municipal continua a ser presidido pelo agora líder do MDM, com a Frelimo suplantando pela primeira vez a Renamo em número de votos. E, numa decisão muito difícil de entender, Dhlakama abdicou de enfrentar as bases do seu principal bastião de apoio para se refugiar em Nampula, capital do Norte de Moçambique, onde tanto nas autárquicas do ano passado, como nas últimas legislativas, a Renamo voltou a perder um considerável e substancial número de votos.
Todo este processo tem-se caracterizado por um isolamento cada vez maior daquele que se considera "o pai da democracia em Moçambique". Um sem número de quadros, incluindo a chefe de bancada da Renamo na AR, Maria Moreno, abandonaram-no, ou para se juntar ao MDM de Simango, ou pura e simplesmente para "piscarem o olho" à Frelimo.
No Congresso do seu partido, cuja realização vinha sendo adiada há vários anos, ele foi "reeleito" como eterno candidato da Renamo às eleições presidenciais. Os media moçambicanos não lhe pouparam críticas pelo facto de ter escolhido um opositor interno, que á partida se sabia ser um "fait divers" para mascarar o acto democrático, que decorreu em Nampula.
Para agravar este quadro, os meios financeiros de que a Renamo dispõe são cada vez mais escassos, prevendo-se que a sua campanha eleitoral seja uma repetição do descalabro organizativo que marcou as autárquicas, em 2008. A imagem que tinha junto aos doadores internacionais e a algum empresariado nacional tem-se igualmente vindo a desgastar. Disso resulta que a sua presença seja cada vez mais diminuta junto do eleitorado e, cada vez mais circunscrita aos centros urbanos.
Os trabalhos do MDM - É lógico acreditar-se que o grande beneficiado deste percurso errático da Renamo venha a ser o MDM, partido nascido na segunda maior cidade do país em inícios deste ano e liderado por um nome que ganhou respeito e prestígio na Beira, em resultado da gestão que fez do seu município nos últimos seis anos.
Tecnocrata com uma postura simples e humilde, Daviz Simango iniciou a liderança do MDM criando enormes expectativas junto dos meios intelectuais moçambicanos, mais desencantados com a governação da Frelimo. Isso, como resultado de a sua gestão da cidade da Beira não apresentar "buracos financeiros", ter conseguido resultados excepcionais com poucos recursos, conseguir mobilizar simpatias e apoio entre figuras de proa na cidade, mostrar dedicação na solução de problemas que se arrastavam há décadas.
O principal problema que este novo partido enfrenta é, antes de tudo, o pouco tempo que tem para ganhar uma postura e enraizamento nacional. Mas a ele, juntam-se outros factores, nomeadamente a ausência nas suas fileiras de figuras com prestígio nacional, a dificuldade em criar uma administração organizada a nível de todos os círculos eleitorais do país, ou o já sentido problema da falta de fundos para pôr em marcha uma campanha nacional e ainda.
Chegou-se a pensar que o MDM pudesse vir a ser em Moçambique uma espécie de clone do Movimento para Mudança Democrática (MDC), de Morgan Tsvangirai, no Zimbabue. Mas os poucos meses da sua vida vêm mostrando que assim não será. Para além de lhe faltar uma base sindical, também não conta com raízes rurais, nem conseguiu angariar o apoio de intelectuais de nome, estes últimos mais interessados com as suas carreiras profissionais, por forma a não as "sacrificarem" na política.
Um elemento que ultimamente vem circulando e pode afectar sobejamente a figura de Daviz Simango é a contabilidade dos dias que este ano tem dedicado ao município da Beira. Apostado em dar dimensão nacional à sua figura e ao MDM, Simango tem dedicado menos tempo à Beira onde, de entre o seu eleitorado, já surgem vozes a contar o número de dias que dorme na cidade e a apontar as obras que não estão a ser feitas.
Este factor é importante, porque efectivamente o eleitor beirense é muito cioso daquilo que é seu. Da mesma maneira que há um ano o seu voto na Renamo era uma certeza, hoje é facto que Daviz Simango é a bandeira da oposição beirense. Mas nada assegura que este bairrismo não se possa sentir traído por um projecto político nacional.
Ventos de feição para a Frelimo - É neste ambiente político nacional que a Frelimo navega com alguma facilidade. Se por um lado beneficia do claro enfraquecimento da Renamo e da juventude e inexperiência do MDM, por outro tem refinado o uso da máquina estatal em seu claro benefício.
De facto, Armando Guebuza passou os últimos sete anos em permanente campanha eleitoral. Os primeiros dois, dedicou-os a conquistar o eleitorado do seu partido e, os últimos cinco anos, a alargar essa base para áreas das quais a Renamo se ausentou e também montando uma máquina partidária bastante remodelada e menos dependente de algumas das figuras tradicionais do partido.
Tudo indica que os vários revezes por que passou a governação do Presidente Guebuza não irão ter efeitos nefastos nas eleições que se aproximam. As inúmeras vitimas mortais provocadas pelo rebentamento do paiol na capital, os incêndios que tiveram lugar nos Ministérios da Agricultura e Justiça, os atrasos no reassentamento das vítimas das cheias e do paiol, o levantamento popular de Fevereiro de 2008 na capital devido ao preço dos combustíveis, o apertar do cinto por parte dos doadores reclamando por uma governação mais transparente, não terão peso maior nas decisões do eleitorado.
Isso fica-se a dever a uma oposição que não soube tirar proveito político desses "desastres", refugiando-se na desculpa de poder voltar a haver batotano "papão" no momento de contagem de votos. A Renamo tem sido uma oposição que se satisfaz em receber os salários que a Assembleia da República lhe paga a tempo e horas.
Em contrapartida, o Governo-Frelimo vai apresentar resultados de governação que têm impacto eleitoral. Desde o serviço nacional de saúde ter melhorado de forma exemplar, de cada distrito ter hoje uma escola secundária e todas as províncias ministrarem o ensino superior, de ter a situação da fome controlada por haver excedentes em cereais, de ter construído pontes e recuperado estradas de importância estratégica para o desenvolvimento da economia, de ter um funcionalismo público satisfeito com as regalias que tem e de ter atraído investimento estrangeiro de grande vulto.
Mas talvez o elemento que irá ter maior impacto junto do eleitorado é o da aplicação de investimento estatal, quase que a fundo perdido, em cada um dos distritos do país. O resultado da aplicação dos dois milhões e meio de dólares, que cada distrito tem recebido anualmente nos últimos quatro anos será, certamente, o maior cesto de votos que a Frelimo vai recolher nas próximas eleições.
Assim, Armando Guebuza vai a votos dirigindo uma máquina afinada, bem oleada, disciplinada, respeitadora das suas ordens e, acima de tudo, com o objectivo de alcançar os tais dois terços. A Frelimo, essa tem os ligamentos dos biceps bem massajados pelo Estado, pelo empresariado, pelos investidores e ainda pela complacente fraqueza da oposição.
In: Revista Lusomonitor
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Alves Gomes foi um dos mais prestigiados jornalistas moçambicanos. Valeu pela excelência da sua escrita, mas sobretudo pela competência com que analisava e informava sobre os assuntos com que lidava – os da África Austral, em geral. Retirou-se há mais de 20 anos. É uma honra para a Luso Monitor acolhe-lo neste seu regresso – que esperamos não seja esporádico.
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