domingo, 15 de fevereiro de 2009

SOBRE QUARENTA ANOS DEPOIS DE UM CRIME - Por Sergio Vieira

Carta a Muitos Amigos

Por Sérgio Vieira

Passaram-se quarenta anos desde o dia em que uma bomba, preparada na Beira pelo sinistro inspector da PIDE, Casimiro Monteiro, assassinou Eduardo Chivambo Mondlane, Presidente da Frelimo. Muito do que descrevo já o Presidente Chissano declarou na Assembleia da República, pareceu-me pois útil, no meu exercício de memória, pôr os pontos nos is , para ajudar o fim da especulação com boa ou má fé. A essência dos dados, incluindo a origem da bomba, na época, a INTERPOL a pedido do governo tanzaniano investigou e difundiu.

Casimiro Monteiro, de origem goesa, preparou na Beira um livro com uma bomba armadilhada, numa obra do marxista Plekhanov. Ignora-se quem o instruiu para tal. No Malawi, no consulado português em Blantyre, dirigido por Jaime Pombeiro de Sousa, um associado de Jorge Jardim, Orlando Cristina entregou um pacote a um sacerdote belga, o Padre Pollet, que missionara muitos anos em Sofala e aí travara amizade com o Padre Mateus Pinho Gwenjere. Orlando Cristina pediu ao Padre Pollet, que ia para Songea, que levasse o embrulho para essa fronteira e aí buscasse alguém da FRELIMO, para que o remetesse a Silvério Nhungu ou a Urias Timóteo Simango em Dar-es-Salam. Assim fez o sacerdote e, encontrando na fronteira Samuel Rodrigues Dhlakama, que já conhecia, solicitou-lhe que entregasse o volume a Simango ou Nhangu.
De nenhum modo se pode afirmar que o Padre Pollet, com quem ainda falei depois do assassinato de Mondlane, conhecesse o conteúdo e o objectivo do embrulho. Ele mencionou-me que Cristina lhe entregara e o remetera a Samuel Rodrigues Dhlakama, que encontrara por acaso. Igualmente nunca se encontraram quaisquer dados sobre o envolvimento do Cônsul Jaime Pombeiro de Sousa, que dirigia o Consulado em Blantyre. O Padre Pollet disse-me que, após os eventos, as circunstâncias lhe criaram suspeição, encontro no consulado português e entrega do embrulho por Cristina, conhecido como agente português. Ele, como missionário, na região de Sena, necessitava de estar em contacto com as autoridades e sempre que ia a Blantyre, cumprimentava o cônsul ou outro representante do consulado. Se revoltado pela sua instrumentalização, se pela idade ou saúde, o Padre Pollet retirou-se de Moçambique.

Chegado a Dar-es-Salaam, Samuel Rodrigues Dhlakama telefonou a Nhungu, que lhe marcou um encontro num quarto de hotel (não me recordo do nome), que ficava junto à representação do MPLA em Dar-es-Salaam. Dhlakama entregou o embrulho a Nhangu, que estava acompanhado por Simango. Num dos dias seguintes, quando o Presidente Mondlane estava a sair do escritório, dirigindo-se para Oyster Bay, para casa de Betty King, onde trabalhava muitas vezes na ausência dela e do marido, o escritor Willy Sunderland, Nhungu voltou-se para uma camarada, a Rosária,que estava afectada à nossa representação na capital tanzaniana e disse: Corre para o carro do Presidente e entrega-lhe este embrulho. Esqueci-me de lhe dar. Tratava-se de um volume, com a forma de um livro, embrulhado sob a forma de um livro, com selos soviéticos e tanzanianos, e endereçado ao Presidente. Ao abrir o pacote a armadilha funcionou, matando Mondlane instantaneamente, a bomba dilacerou-lhe o tórax.

Dlakama quando transportou o embrulho, este estava dirigido a Nhungu e não se assemelhava a um objecto chegado via correio, segundo declarou a uma comissão de inquérito. A Rosária, segundo também declarou à mesma comissão, lembra-se que recebeu um pacote, com a aprência de vindo através dos correios, com selos e carimbos, endereçado a Mondlane. Pessoalmente, Samuel Dlakama e Rosária, além de outras pessoas, confirmaram este factos e a comissão de inquérito, que eu dirigi, constatou, por unanimidade, não haver qualquer indício que apontasse para o facto de eles não haverem agido de boa fé ou conhecessem o conteúdo do pacote antes do evento fatal, embora houvessem transmitido, depois dos eventos, suspeitas sobre o conteúdo. A Comissão considerou-os livres de qualquer suspeita e inocentes.

Simango e alguns dos seus colaboradores reconheceram os factos, embora Simango declarasse ao CC, em Abril de 1969, que ignorava o conteúdo do embrulho entregue a Silvério Nhungu, na sua presença no hotel.
Lázaro afirmou, a amigos e correligionários em Mtwara, a 1 de Fevereiro de 1969, que havia recebido um telefonema de Simango, nas vésperas do assassinato de Mondlane, para estarem atentos e fazerem uma festa quando recebessem boas notícias.

Fizeram a festa a 3 de Fevereiro depois de receberem um telefonema de Dar-es-Salaam! Quando procurado pela polícia tanzaniana, Lázaro atravessou a fronteira e entregou-se às forças armadas coloniais com alguns dos seus colegas, iniciando então uma actividade colaboracionista com o inimigo, indicando a este onde bombardear aldeias, escolas, hospitais e fazendo apelos à deserção através da rádio e gravações difundidas por altifalantes nos aviões.

O assassinato de Mondlane pelos colonialistas não se tratou de um caso único, infelizmente. Os assassinatos de Mondlane e Amílcar Cabral, respectivamente em 1969 e 1973, o ataque à República da Guiné em 1970, ocorreram durante o consulado de Marcello Caetano. Dificilmente se pode aceitar que o Presidente do Conselho de Ministros ignorasse estas acções e não as houvesse caucionado antes, ou depois.

Espero que os factos, que se podem verificar, ajudem a separar o trigo do joio e contribuam para pôr termo aos mitos de heroicidade de traidores e de satanismo de inocentes.
Um abraço a todos que prezam os ensinamentos de Mondlane.

P.S.: Lamento, depois de celebrarmos a memória do grande lutador Martin Luther King Jr., o plagiador local do sonho abandone o seu ponto de referência e revista-se do manto de Obama de Moçambique.
Como escreveu Engels, quando a História se repete, fá-lo como caricatura.
Precisa Moçambique, a democracia Nacional e a FRELIMO dum verdadeiro número um à cabeça da oposição, um histrião não serve. Consta que o edil da Beira se prepara para organizar um verdadeiro partido que agregue as forças sãs da oposição, que merece melhor.
A expulsão que vitimou o edil não conta. Coragem engenheiro e como César atravessando o Rubicão, saiba galgar o Chiveve.
Um abraço à seriedade e ao patriotismo, SV

DOMINGO - 08.02.2009